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Long Story Short

Long Story Short

25
Abr24

Quando não gostava do 25 de Abril

Marta Leal

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Tinha 5 anos quando aconteceu o 25 de Abril. Lembro-me da agitação dos adultos, e da concentração das pessoas em casa dos avós para verem a televisão. Não tive a verdadeira noção do que estava a acontecer nem tão pouco me lembro do que senti. Conhecendo-me como conheço devo ter ficado atenta por momentos, e depois voltei para o mundo dos sonhos e dos unicórnios. Talvez tenha sido por isso que assumi uma ideia negativa sobre o 25 de Abril. Em crianças ouvimos, e construímos as nossas histórias, e eu fiz a minha própria história: o 25 de Abril foi um acontecimento horrível! Uns senhores maus entravam nas casas das pessoas e tiravam-lhes tudo, e até havia pessoas que tiveram de fugir e ficaram sem nada. Lembro-me daquelas imagens dos aviões a trazerem pessoas das colónias para Portugal. E perante isto como se podia comemorar uma coisa tão má? Passei a não gostar de cravos. Nunca gostei de cravos. A crença era tão forte que o cravo era uma flor a evitar. Como poderia eu usar o símbolo daquilo que não me fazia sentido?

É o que acontece quando se vive apenas dentro de nós. Podemos, e ficamos muita vez com uma ideia "errada" sobre os acontecimentos a que assistimos. . Mas voltemos ao 25 de Abril que é disso que se fala hoje. Mais tarde com o estudo e as conversas fui percebendo que talvez não fosse como eu pensava. O estudo sobre o que se passou na realidade fez-me ver que se falava de libertar. Que afinal o 25 de Abril não era sobre retirar, mas sobre dar aquilo que todo o ser humano deveria ter por direito: liberdade de ação e de expressão. Um dia tive uma ideia errada sobre o 25 de Abril porque fui somando frases sobre o que ouvia, e construindo a história que é possível construir quando somos crianças. 

O dia de hoje tem um significado especial para mim. Nunca me vou esquecer que no dia 25 de Abril de 2020 a única coisa que queria era a minha liberdade de ação. Que a de expressão continuava a ter. Queria voltar a sair em liberdade, abraçar, conversar, e ir aos sítios onde me fazia sentido ir. Queria voltar às salas de aula, aos sorrisos sem máscara e ao toque sem constrangimentos. Queria deixar de ter a minha liberdade em "suspenso"!

Long Story Short, um dia não percebi que foram “aqueles senhores maus” que me permitiram ir para a universidade, viajar sem que precisasse de autorização de nenhum homem, vestir o que me apetece, dizer o que me vai na alma, divorciar-me e ser quem eu sou à data de hoje.

09
Abr24

Centrifugação da vida

Marta Leal

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Há momentos da nossa vida em que sentimos que fomos mandados para o tambor de uma qualquer máquina de lavar roupa. Damos voltas e mais voltas, somos sacudidos e centrifugados, a maior ou menor intensidade, a uma maior ou menor temperatura. Desses momentos ninguém se livra. Mais tarde ou mais cedo a vida dá-nos uma lavagem de graça. E cabe-nos a nós quando a lavagem termina enxugarmo-nos, esticar os vincos e continuar da melhor forma que sabemos. E mesmo que tenhamos dado estas voltas com algum amaciador, a verdade é que saímos mais endurecidos, mais fortes e mais cientes que há coisas das quais não nos livramos. Resta-nos, apenas, aprender a lidar com elas.

A minha lavagem dura há cerca de 9 meses. Em menos de 5 meses fui operada a um cancro na mama e a um carcinoma na testa. Hoje, tive boas notícias. Tal como tinha acontecido anteriormente, o que tinha na testa foi retirado a tempo e agora é só fazer consultas de rotina. Pensar que ambos foram apanhados na hora certa e considerados o melhor do pior faz-me pensar que sou uma mulher de sorte.

Long story short, estou naquele momento em que me sinto a sair da máquina de lavar, ainda azamboada e com a sensação de ter sido centrifugada a altas rotações. Agora, é sacudir os vincos, agradecer e seguir em frente sempre mais fortalecida.

02
Abr24

Desabafos

Marta Leal

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Há uns anos, na época de Natal, eu e as filhas decidimos ir às compras. A dinâmica era sempre a mesma, o filho ficava em casa e as filhas vinham às compras comigo. Entravam na loja, escolhiam e eu ficava na fila para pagar enquanto elas iam para outra loja onde a cena se repetia.  Nesse dia, a senhora que estava atrás de mim meteu conversa, começou a partilhar sobre quem era, o que fazia e as preocupações que tinha. Pagámos, e a conversa continuou. Para ser mais exata não foi uma conversa, mas um monólogo onde ela falava e eu lhe sorria em jeito de encorajamento. Podia ter virado costas, mas nestas situações nunca viro costas.

As miúdas quando, finalmente, saí da loja exclamaram qualquer coisa como “oh mãe, a tua amiga nunca mais se calava” ao que respondi “nunca tinha visto a senhora e acredito que nunca mais a vá ver”. Continuámos as compras, mas recordo-me bem das palavras que ela me disse “obrigada, soube-me tão bem falar consigo!”.

Desabafar faz bem. E embora lhe chamemos desabafo devíamos-lhe chamar partilha de alma. Uma partilha de sentires que devia ser usual, mas que tornamos rara. Tornamos rara porque não temos com quem falar, não queremos incomodar ou não achamos que seja importante. Conversar e partilhar faz-nos bem, integra-nos, organiza-nos e faz-nos sentir acolhidos. Uma boa conversa dá-nos colo e aninha-nos num sentir comum.

Long Story Short, todos precisamos de colo, de ser ouvidos e de alguém que nos acolha mesmo que para isso se infrinja uma das regras que os nossos pais nos ensinaram: a de nunca falar com estranhos.

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