Quando não gostava do 25 de Abril
Tinha 5 anos quando aconteceu o 25 de Abril. Lembro-me da agitação dos adultos, e da concentração das pessoas em casa dos avós para verem a televisão. Não tive a verdadeira noção do que estava a acontecer nem tão pouco me lembro do que senti. Conhecendo-me como conheço devo ter ficado atenta por momentos, e depois voltei para o mundo dos sonhos e dos unicórnios. Talvez tenha sido por isso que assumi uma ideia negativa sobre o 25 de Abril. Em crianças ouvimos, e construímos as nossas histórias, e eu fiz a minha própria história: o 25 de Abril foi um acontecimento horrível! Uns senhores maus entravam nas casas das pessoas e tiravam-lhes tudo, e até havia pessoas que tiveram de fugir e ficaram sem nada. Lembro-me daquelas imagens dos aviões a trazerem pessoas das colónias para Portugal. E perante isto como se podia comemorar uma coisa tão má? Passei a não gostar de cravos. Nunca gostei de cravos. A crença era tão forte que o cravo era uma flor a evitar. Como poderia eu usar o símbolo daquilo que não me fazia sentido?
É o que acontece quando se vive apenas dentro de nós. Podemos, e ficamos muita vez com uma ideia "errada" sobre os acontecimentos a que assistimos. . Mas voltemos ao 25 de Abril que é disso que se fala hoje. Mais tarde com o estudo e as conversas fui percebendo que talvez não fosse como eu pensava. O estudo sobre o que se passou na realidade fez-me ver que se falava de libertar. Que afinal o 25 de Abril não era sobre retirar, mas sobre dar aquilo que todo o ser humano deveria ter por direito: liberdade de ação e de expressão. Um dia tive uma ideia errada sobre o 25 de Abril porque fui somando frases sobre o que ouvia, e construindo a história que é possível construir quando somos crianças.
O dia de hoje tem um significado especial para mim. Nunca me vou esquecer que no dia 25 de Abril de 2020 a única coisa que queria era a minha liberdade de ação. Que a de expressão continuava a ter. Queria voltar a sair em liberdade, abraçar, conversar, e ir aos sítios onde me fazia sentido ir. Queria voltar às salas de aula, aos sorrisos sem máscara e ao toque sem constrangimentos. Queria deixar de ter a minha liberdade em "suspenso"!
Long Story Short, um dia não percebi que foram “aqueles senhores maus” que me permitiram ir para a universidade, viajar sem que precisasse de autorização de nenhum homem, vestir o que me apetece, dizer o que me vai na alma, divorciar-me e ser quem eu sou à data de hoje.