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Long Story Short

Long Story Short

30
Jan25

A primeira sala de espera

Marta Leal

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Inspiro-me nos que me rodeiam, nas conversas que tenho ou a que assisto, nos desabafos feitos ou nos silêncios, naquilo que observo, vivencio e reflito. Inspiro-me, também, nas pessoas com que me cruzo, com quem trabalho e nos que me escrevem em jeito de desabafo e me abrem o coração sem que os conheça.

Vou registando e anotando histórias, as minhas e as dos outros. Escrevinhando aqui e ali. Tenho um sem número de cadernos e outras tantas pastas espalhadas pela cloud. Hoje, lembrei-me de vos falar dela. Não sei o nome, nem tão pouco onde mora, o que faz ou quem é. Quis a vida que em determinado momento estivéssemos na mesma sala. Para ser exata o melhor é escrever que quis a vida que em determinado momento estivéssemos na mesma situação.

Lembro-me de pensar que a sala cheirava a angústia,os olhares eram de medo e o silêncio era apenas quebrado quando alguém chamava mais um nome. Eu pouco habituada a estas andanças, fiz o que sempre faço. Entrei acompanhada do meu livro e refugiei-me no silêncio das letras. É aí que me refugio sempre que tenho algum problema.

Ela vinha acompanhada por quem imaginei ser o marido. Ele tentava acalmá-la, mas ela chorava por antecipação. Os nossos olhares cruzaram-se e sorri-lhe.  Conversámos e tentei acalmá-la. Ela entrou antes de mim e saiu com um sorriso de orelha a orelha, deu um suspiro bem fundo e disse-me “não é nada, não tenho nada!”. Sorri-lhe de volta e disse “Que bom!”. Foi aí que o semblante mudou, pediu desculpa por estar feliz. Como é que posso estar feliz se está aqui tanta mulher que ainda não sabe os resultados? Pode e deve, respondi-lhe eu! Não nos podemos sentir culpados porque estamos bem. Vá festejar e aproveite! E lá foram eles, felizes e aliviados.

Long Story Short, quanto a mim, recebi notícias bem diferentes e aquela foi a minha primeira sala de espera de um caminho que tinha de percorrer.

 

 

02
Abr24

Desabafos

Marta Leal

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Há uns anos, na época de Natal, eu e as filhas decidimos ir às compras. A dinâmica era sempre a mesma, o filho ficava em casa e as filhas vinham às compras comigo. Entravam na loja, escolhiam e eu ficava na fila para pagar enquanto elas iam para outra loja onde a cena se repetia.  Nesse dia, a senhora que estava atrás de mim meteu conversa, começou a partilhar sobre quem era, o que fazia e as preocupações que tinha. Pagámos, e a conversa continuou. Para ser mais exata não foi uma conversa, mas um monólogo onde ela falava e eu lhe sorria em jeito de encorajamento. Podia ter virado costas, mas nestas situações nunca viro costas.

As miúdas quando, finalmente, saí da loja exclamaram qualquer coisa como “oh mãe, a tua amiga nunca mais se calava” ao que respondi “nunca tinha visto a senhora e acredito que nunca mais a vá ver”. Continuámos as compras, mas recordo-me bem das palavras que ela me disse “obrigada, soube-me tão bem falar consigo!”.

Desabafar faz bem. E embora lhe chamemos desabafo devíamos-lhe chamar partilha de alma. Uma partilha de sentires que devia ser usual, mas que tornamos rara. Tornamos rara porque não temos com quem falar, não queremos incomodar ou não achamos que seja importante. Conversar e partilhar faz-nos bem, integra-nos, organiza-nos e faz-nos sentir acolhidos. Uma boa conversa dá-nos colo e aninha-nos num sentir comum.

Long Story Short, todos precisamos de colo, de ser ouvidos e de alguém que nos acolha mesmo que para isso se infrinja uma das regras que os nossos pais nos ensinaram: a de nunca falar com estranhos.

29
Mar24

Envelhecer

Marta Leal

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Envelhecer traz coisas boas e coisas menos boas. Não desistam já de ler porque não vou descrever um chorrilho de queixas e inconvenientes sobre envelhecer. Não o faço porque tomei consciência, há muito pouco tempo, que de facto estou a envelhecer bem e quero com isto dizer que me sinto bem na idade que tenho, na vida que tenho e dificilmente, caso fosse possível, voltaria atrás. Voltar atrás com o conhecimento de hoje ia significar viver outras coisas de forma diferente, mas também perder muito do que me trouxe aqui.

Com o tempo torna-se tudo muito relativo. A calma e a serenidade instalam-se porque já aprendemos que as coisas se resolvem, as pessoas vão e vêm, deixamos de fazer fretes, percebemos que viver em função do que os outros pensam não faz qualquer sentido, vestimos aquilo que nos apetece, o que era importante deixa de o ser e passamos a gostar mais de estar connosco. A ânsia e a sofreguidão dão lugar à paciência e ao saborear do que a vida nos traz. E este estado é mágico. Um simples corte de cabelo que aos 30 nos deprimia porque não tinha ficado como queríamos, aos 50 transforma-se num corte que não correu bem, mas que sabemos irá crescer. Uma nódoa na camisa antes de uma palestra ou de uma reunião transforma-se rapidamente numa piada.

De repente, olhamos para o lado e os filhos cresceram, alguns sonhos ficaram por realizar, mas ainda temos muitos para concretizar, as rugas instalam-se, o corpo começa a dar sinal de desgaste, mas a mente mantém-se ativa e com muito para conquistar.

Long story short, já começo a ser a mais velha dos grupos onde estou, as pessoas tratam-me por senhora, alguns dos meus médicos quase têm idade para serem meus filhos e já faço só o que me apetece.  

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